domingo, março 25, 2007

O esquecimento


Há um extremo do desejo que se confunde com o ódio.
Estava ali sentada com as suas novas amigas e distraiu-se. Ou teria observado e acompanhado estupefacta, a transformação dele, que observava as três mulheres com uma expressão de menino
abandonado. Só, perigosamente só.
Viu-as a darem comida na boca umas às outras, meter o dedo no leite-creme e oferecerem-no à recém chegada, que o saboreava lentamente, abrindo e fechando a boca com um ruído de beijos. O creme espesso fundia-se nas comissuras dos lábios até não ser mais do que saliva.
E ele?
Quem era ele, então; isolado na sua dureza, prisioneiro da sua máscara azul? Ninguém?
A resposta saltava á vista: FOI ESQUECIDO.

sábado, março 24, 2007

O final

A vida é assim mesmo: tem saltos, contrastes, mudanças bruscas, repetições.
Estava habituada a esperar pelos três golpes!
O primeiro golpe fere.
Ao segundo, perguntamo-nos para quê passar pelo mesmo, se para avaliarmos o que suportamos já bastou o primeiro. E ao terceiro golpe, por mais terrível que seja, ficamos apalermados, quase felizes, sem perguntarmos mais nada, e pomos de lado a vida que se serve de nós porque precisa de repetir-se mil vezes antes acertar com o final.

Foi obra do diabo...


Luchino Visconti

Toro mata








-Hoje, até levantavas um morto!
- Os mortos não ressuscitam. Enterram-se e pronto.



A ouvir Susana Baca (obrigada Mil Homens!)


sexta-feira, março 23, 2007

A fenda

Um fim. Sim, talvez. Mas não, não era um fim, era antes uma falha. E acredita que chegaria ao outro hemisfério deslizando por uma fenda estreita.
Chegou a pensar nisso, sem o dizer, naqueles momentos em que nem estava acordada nem a dormir e uma estreita zona intermédia, apenas com espaço suficiente para nos deixar passar de um lado para o outro, se abre entre dois mundos.

quinta-feira, março 22, 2007

Um nome indizível, um nome

Foi então que apareceu o moreno argentino.
Apareceu como todos nós aparecemos na vida uns dos outros: aspirado por uma necessidade tão forte que parecia uma ventosa.
Quando o dragão interior abre as goelas, é raro que a vítima apanhada na voragem não seja a que lhe convém.
A que lhe convém no sentido do desejo.
Quando o via dormir de barriga para baixo, tinha de refrear-se para não lhe lamber os calcanhares ou aquela linha vertiginosa que lhe dividia as costas ao meio.
Quando um dia ele se levantou para sair, ela reparou que, ao apoiarem-se no chão, os calcanhares se cobriam de uma renda de cor crua semeada de florinhas cor-de-rosa.
Nesse momento, ela percebeu que o moreno argentino estava destinado a partir.
Até o seu nome indizível era um salto no vazio.



quarta-feira, março 21, 2007

Escória quente colada ao corpo

Entende-as e odeia-as ao mesmo tempo. Por vezes não é ódio nem amor, mas uma espécie de distância súbita no olhar, quando o mundo lhe parece uma pauta. São momentos em que a ternura e a vingança se fundem, momentos parecidos com o amanhecer. É possível guardarmos ressentimentos por alguém que às três da tarde, nos olha como se o dia tivesse acabado de nascer?


Às vezes, também ela o detesta. Levará anos a libertar-se daquilo a que então chamava sentimentos, essa escória quente.

terça-feira, março 20, 2007

A piedade

Procura por vezes no olhar dele a centelha de piedade que a consola e desespera.
Nem sempre a encontra.
Sente-se sufocada por uma raiva futura. Um dia, hão-de explicar-lhe as coisas e então ela concederia a si própria o direito de se ofender.

Eram 50, ficamos 5




-É grave, Dr.?

-Nada que umas Vitaminas, um Piroxican em Gel, uma Sinvastatina e uma Sertralina não resolvam.
-E como é que as consigo?

-Para isso, menina, precisa do seu telefone... Urgente!


-Ai, Dr. ... Isso é que é mais difícil... O meu telefone não me fala...
-Então, pode esquecer o tratamento.




Mas quem és tu, afinal?

As tuas maldições serão só tuas.


A perda será só tua. Não se perde o que nunca se teve.
E agora deixa-me dormir.
Que as falsas versões liberais não me alimentam a alma nem o corpo.
Falsos puritanos e afins...

Humppff!




segunda-feira, março 19, 2007

Os carrascos dos que não são púdicos

Porque é que é tão difícil não fazer figuras tristes perante factos consumados?
A perda nem sempre é bem aceite. Durante a primeira hora.
Depois resolve-se tudo.
Perdem-se amigos ou será que são mesmo amigos os que se perdem?
Nunca tive oportunidade de explicar as minhas circunstâncias especiais, e todas as peculiaridades dessas circunstâncias se afundaram sobre a estrutura do meu rosto.
A estrada do retorno a mim própria é o regresso de um exílio espiritual, porque é a isso que a história de uma pessoa se resume - um exílio.

Preocupar-nos com a nossa auto-imagem, ajustá-la, revê-la, é uma perda de tempo. Necessário é podermos ser nós sem ter que ser pelos outros. Sermos o que queremos ser e não nos dissolvermos pela imagem que os outros olham.
Seremos sempre julgados de qualquer maneira. São todos juízes. São todos carrascos.
São todos os encapuçados ao lado da guilhotina.

Corte-se a cabeça aos que deixaram de ser púdicos há muito tempo!

Cortem-me a cabeça e esqueçam que vos fiz sorrir. Esqueçam que na verdade ser púdico é ser.

domingo, março 18, 2007

Sentimental

sexta-feira, março 16, 2007

Danças?





A insónia dissolveu-se por fim em longos corredores que vou palmilhando a medo e em cujo solo escorregadio rastejam palavras secretas. Há um esqueleto ornamental carregado de ofensas, de peixes com sangue, monstruosidade da qual me afasto e desvio e que à minha passagem se sacode. E as paredes de granito segregam vagos sons, que logo se estilhaçam. Agarram-me no ponto em que o corredor acaba e, sob uma luz intensa, pedras e água entram em conflito por todo o lado.. Já não há chão nem paredes, mas há nascentes ocultas e estátuas cegas que apontam para mim.
Ao longe ondula o rumor do mar, já é um indício, mas, na verdade, os ruídos, os reflexos na água, espelhos que se fracturam, tudo vai à deriva na luta opaca dos elementos. Lá fora, e no sangue que sinto pulsar-me nas artérias.
Fico paralisada. Vamos sair. Lá para fora.
Fazer o dia de alguém.
Fazer o meu dia. Não se pode evitar. Damos voltas no carrossel da cidade envolta em segredos e desvios tortuosos e paramos no mesmo sítio. Não se pode escapar.

Acordo exausta, na dor e no prazer, no sentido que me causou aquele orgasmo vicioso.
Desenhaste-me na pele incendiada tatuagens lascivas e soltou-se todo o veneno erótico.

quarta-feira, março 14, 2007

Dúvida Temporal




Deito-me tarde e levanto-me cedo
ou
Deito-me cedo e levanto-me tarde?

O falso milagre





Voltaste a falar. Quase como antes...
Nunca soube, no entanto, até que ponto entendi bem as razões que antecederam
esse novo facto, e o preço de tal falso milagre....

terça-feira, março 13, 2007

O lado negro que brilha comigo

Aqui sei que me posso alongar em delírios emocionais. Este é um canto bem mais bem secreto que o outro que já foi o meu jardim das delicias privado.
Aqui posso sofrer em profundidade. Aqui é suposto ficarem os restos em missivas pouco claras.
Aqui o espaço em branco é para mim. É o mar e a areia. O sangue a correr.
Os corredores escuros dos hospitais e da memória.
The Dark Side...
Com pirilampos e borboletas a voar. O estômago a tremer e as paralisias faciais a ferrarem o dente na minha pele branca.
Já foi bem mais escuro, este lado. Já mergulhei em camas imóveis e já me levantei.
Voltei a cair e a levantar-me.
E não é isso que fazemos todos os dias?
E é assim que eu sou também. Caio, levanto-me. Caio, levanto-me...
Caio outra vez... Levanto-me outra vez.



Os heróis movem-se e escondem-se ao lado dos unicórnios.

Sinto, logo existo

Sem sentimento a vida não teria sabor.
Uma verdade imensa contida numa frase pequenina. Sem sentimento, não há dúvida, a vida não teria sabor. (mesmo que seja o sabor amargo da derrota, da perda, da desilusão). Se o mundo fosse só razão, só raciocínio, só silogismos, só premissas e conclusões, a vida seria fria, gelada - matava.
Todas as pulsações que se sentem, todas as vibrações que se percebem. Todos os sorrisos que se acolhem e que se oferecem.
Todos os perdões que se aceitam e que se dão. Todos os heroísmos que se praticam e que se presenciam. Todas as glórias que se conquistam ou que se ajudam a conquistar.
Também aqui...
Desculpa.

O jogo

As opções estão todas em aberto.
Em todos os campos excepto num: o teu.
Lá o jogo está sobre a mesa. Claro, preciso e identificado.

segunda-feira, março 12, 2007

O vazio

Desculpa!



Foi tão estranho estar na minha casa sem ti...
Melhor: sabendo que não voltas...


Desculpa...

quinta-feira, março 08, 2007

Vou-te explicar

Mesmo que sejas muito burra, vais perceber que não se brinca assim.
E és mais burra do que pensas.
És uma mulher morta. Por dentro e por fora também.
Eu explico em detalhe. Deixa-me organizar as ideias. Digerir a perda e a desilusão.
Deixa-me pensar e vou-te encontrar.

Don't stop me now




I'M Lady Godiva!
I'm out of control...

quarta-feira, março 07, 2007

The end and the begining

O som dos violinos ecoa pelas paredes húmidas e estende-se nos campos até chegar ao mar.
Aí, sossegam os mortos e acalmam os vivos.

Fado

É uma dor profunda.
Quero voltar a casa e recomeçar. Voltar a ser eu.
Só oiço fado. Só sinto fado. E tristeza no coração.

terça-feira, março 06, 2007

Vazio

Há homens que não conseguem habituar-se às mulheres. Algumas são lindas. Sorriem e há uma espécie de suavidade na sua pele, nos seus gestos, nos seus sorrisos e risos. Nos costumes, na maneira como servem à mesa e na cama...
Há homens que não suportam o desejo.
Escondem a paixão na vida. Não se pode saber o que há no seu sangue, no seu coração, nos seus nervos.

segunda-feira, março 05, 2007

Enterrem-se os erros





-Boa tarde. Será possível falar com a Senhora?
-A Senhora foi a enterrar esta tarde.
-Lamento muito.
-Não lamente.

A culpa é da vontade


a culpa não é do sol

se o meu corpo se queimar
a culpa é da vontade

que eu tenho de te abraçar

a culpa não é da praia
se o meu corpo se ferir
a culpa é da vontade

que eu tenho de te sentir
a culpa é da vontade que vive dentro de mim
e só morre com a idade

com a idade do meu fim
a culpa é da vontade

a culpa não é do mar
se o meu olhar se perder
a culpa é da vontade

que eu tenho de te ver
a culpa não é do vento
se a minha voz se calar
a culpa é do lamento

que suporta o meu cantar
a culpa é da vontade que vive dentro de mim
e só morre com a idade

com a idade do meu fim
a culpa é da vontade









A verdade é que a culpa é sempre da vontade...

A vida é um Carnaval...




Mesmo agora, ouço-te e vejo-te no clarão vermelho na minha p.
Acendendo e apagando-se. Acendendo e apagando-se.
Vejo a luz vermelha raiada pelo negro que com ela se intercala a cada segundo. Acendendo e apagando-se. Acendendo e apagando-se.
Na minha parede negra.
O vermelho e o negro como luzes de perigo a avisar os navios que se afastam demasiado no mar alto, luzes assassinas, como nos bares onde se bebe pela madrugada, e tu. Vejo-te na luz negra, o vermelho piscando diante dos meus olhos.
Perigo.

domingo, março 04, 2007

As palavras estão entaladas na traqueia

O amor e o sono

Todas as noites, ela aproximava-se um pouco mais do abismo.

sábado, março 03, 2007

Aborto sem tino

Se vamos falar de erros e de vontade de voltar atrás e de recordações amargas, é para aqui que me mudo.
Para o canto onde despejo os restos. As frustrações.
Como quando estou deitada na cama, quieta, como um trapo, com a pele esquartejada, e a repetição é uma verdade da natureza plana que se forma quando uma nuvem dá origem a outra no céu.


''Não há nada dentro de mim, doutor...''
''Ele deixou espaço dentro de mim e faz escuro lá dentro, doutor...''
''Estou a morrer, não é, doutor?''

''Não, menina, você está só a abortar as ilusões''

Foi uma gravidez utópica.
não devia ser tópica? a gravidez? não devia ser na alma? como é que se aborta a alma?

Cospe-se sangue até sair tudo? Deitam-se as pessoas numa cama até sair tudo? Ignora-se a alma? Finge-se mais um bocadinho?
Not this time. Não há mais mentiras.

Play Dead








Se eu ficar aqui, muito quieta, sem me mexer; se me fingir de morta, tu vens abraçar-me? Os dois protegidos de olhares envenenados?
Dás-me beijos e deixas-me tratar de ti?
Posso ficar aqui muito quieta?

quinta-feira, março 01, 2007

Sexaddicta-me

...


-E posso chamar-te nomes?
-Chamar-me nomes?
-Sim. Dizer-te que és um cabrão e que me devias bater se me porto mal...
-Mas tu portas-te sempre mal.
-Cabrão.