quinta-feira, novembro 17, 2005

Tentativa de homicídio



A noite em que não vieres será triste.
Não te pedirei contas, nem num momento de delírio.
O momento da madrugada, quando as forças do mundo inferior ainda forem poderosas na terra e nos corações humanos, quando a noite solta o seu último suspiro maléfico. É um momento perigoso - conheço-o bem. Tudo isso será matéria policial...Que queres que faça com essa verdade judicial, se se revelar um facto, de facto, o que já sei com o meu coração e com a minha mente? Tentaste matar-me. Mas que posso fazer com os segredos abafados de uma casa de paredes novas e recordações mais novas ainda?
Seria talvez um alívio para ti. Contar-me tudo, talvez no fim da vida, num processo absurdo e vergonhoso. Se arrancasse de ti uma confissão dessa tentativa de homicidio da alma perdida que eu era e que trouxeste de volta. Mas não quero que sintas alívio.
Quero a verdade, e a verdade para mim, não serão esses factos policiais poeirentos e decrépitos, os segredos de paixões e equívocos antigos do meu corpo, da minha alma morta e reduzida a pó... Que importância terá isso para nós, agora que nada mais existe? Tentamos saber a verdade e depois caminhamos para a morte, eu, aqui, misturando os meus ossos com os dos meus antepassados, e tu, algures noutro mundo, perto de outras pessoas que nem sabem que existo?
Que importa, no fim de tudo, a verdade, e a mentira, o engano e uma tentativa de homicidio, ou mesmo o homicídio, que importa, onde, quando e quantas vezes me enganaste e fizeste acreditar num amor que não existe?
Contarás tu essa verdade triste e miserável, confessarás exactamente como começou, que ciúmes e saudades, quando me abraçavas (quanto me abraçaste!) que medo nos empurrou para os braços um do outro... Que sentias quando me abraçavas, que sentimentos de vingança e de culpa atormentada o teu corpo nessas noites.... Que importa isso? Confessarás?

Afinal, tudo é tão simples. Tudo o que foi e poderia ter sido. Aquilo que qeimou os nossos corações de tal maneira que pensávamos que não poderíamos suportá-lo, que morríamos ou matávamos alguém..
Tudo isso se torna em pó, menos consistente que o pó que o vento levanta e arrasta sobre os cemitérios. Seria uma vergonha e absurdo falar disso.
Porque sei tudo..
E que posso fazer com essa verdade trivial, com os segredos de um corpo que pode nem existir, já?
Que significa fidelidade? Que é que podemos esperar da pessoa que amamos?
Reflecti muito sobre isso.
A fidelidade não será um egoísmo terrível, egoismo e vaidade, como a maior parte das coisas e pretensões humanas na vida?
Quando exigimos fidelidade, queremos que a outra pessoa seja feliz? E se a outra pessoa não é feliz na prisão subtil da fidelidade, amamos essa pessoa de quem exigimos fidelidade? E se não amamos o outro de modo a fazê-lo feliz, temos o direito de exigir algo, fidelidade ou sacrifício?


Agora, não me atrevo a responder a essas pergunta com tanta firmeza, se alguém as formulasse, como teria feito há alguns anos atrás.
Quando me deixaste a morrer á tua espera e tinha acumulado tudo para te receber...
E parece tudo tão terrivelmente insignificante, se olharmos para trás.
Sim. No príncipio sente-se que tudo se desmorona á nossa volta. Porque os ciúmes, a decepção, a vaidade podem causar uma dor tremenda.
Mas isso passa... Passa de uma maneira incompreensível, não de um dia para o outro, não. Essa ira nem com os anos se apazigua - mas finalmente passa. Da mesma forma que a vida.
Tentaste matar-me ao não me dizer nada.
Sempre que engolias em seco e não me dizias que me amavas. Ou que não me amavas.
Há algo que pode doer, ferir e queimar de tal maneira que talvez nem a morte seja capaz de dissolver: se uma pesoa fere aquele amor-próprio, sem o qual não podemos viver em dignidade.
Vaidade? Talvez.... Porém, essa dignidade é o conteúdo mais profundo da alma humana.
Por isso temo o segredo.
O que não me contas. O que não confessas...
Diz-me a verdade...
Só.
> Blogger Lcego said...

Houve um dia que ele chorou no meu colo e me pediu para nunca o abandonar, que daí em diante tudo o que ele fizesse era por me ter dentro dele, era por não me ter, era por não suportar um amor que não cabia dentro dele que o dominava. Ele não podia nem queria ser só amante. Tinha de ser maior. Grande. E eu apoiei e ainda hoje sofro, observo a partilha que ele permite. Mas sou o vou abandonar se ele me pedir.Ele sabe. Um amor deste tipo é condenação, tudo o resto passa a nada.

quinta-feira, novembro 17, 2005 10:17:00 da manhã  
> Blogger Mary Mary said...

Texto fantástico e comentário também... Muito bom mesmo! Mais uma vez adorei...

quinta-feira, novembro 17, 2005 3:36:00 da tarde  
> Blogger . said...

i´m ducky? esqueci-me do?

sexta-feira, novembro 18, 2005 12:45:00 da manhã  
> Anonymous Anónimo said...

E o que é a verdade? E a fidelidade? Só o respeito interessa, mas nem isso recebes. No final de tudo... Andam só a brincar...

segunda-feira, novembro 21, 2005 9:36:00 da tarde  
> Blogger Deus Existe said...

É por isso que fogem de ti...Porque vês as pessoas por dentro. O meu segredo és tu...

quarta-feira, novembro 23, 2005 12:28:00 da tarde  

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